terça-feira, 24 de setembro de 2019

36º dia – O Anjo da Guarda segundo o Monge Beneditino e escritor Anselm Grun





No Evangelho de Mateus Jesus diz a seus discípulos: "Cuidado para não desprezar um desses pequeninos, porque eu vos digo que seus Anjos estão continuamente no céu, na presença do meu Pai celeste" (Mt 18, 10). Quando se fala em pequeninos, se está pensando não apenas nas crianças, mas também nas pessoas desconhecidas, pouco importantes e simples na comunidade cristã. Jesus diz então que cada uma destas pessoas pequenas e desprezadas tem um Anjo que contempla a face de Deus. Esta passagem da Bíblia levou na Igreja à doutrina de um Anjo da Guarda pessoal. A ideia de Anjos da Guarda existe em muitas religiões. Aqui Jesus assume a ideia judaica, porém levando-a também adiante. Pois no Judaísmo rabínico os Anjos da Guarda se encontram na terra e não podem contemplar a face de Deus. Jesus quer dizer que toda pessoa tem um Anjo da Guarda que também vê a Deus. Toda pessoa está sob a especial proteção de Deus, que lhe envia um mensageiro especial. Os Santos Padres interpretaram esta passagem, dizendo que desde o nascimento cada pessoa tem o seu Anjo da Guarda pessoal. E até hoje a Igreja perseverou nesta doutrina. Que significa isto? Manifestamente, a Igreja está convencida de que junto a cada pessoa Deus coloca um Anjo. Muitos Santos Padres chegaram a ensinar que os Anjos participam na geração do ser humano (Orígenes, Tertuliano, Clemente de Alexandria). O ser humano não existe sem um Anjo, ele não é completo sem o seu Anjo pessoal. Os Santos Padres atribuíram um Anjo da Guarda não somente a cada pessoa mas também aos diferentes povos, ou mesmo às diversas comunidades. No Apocalipse de João o vidente sempre dirige sua mensagem ao Anjo da comunidade (cf. Ap 2).

E assim cada criança tem o seu Anjo da Guarda. Os adultos frequentemente me contam como na infância a ideia do Anjo da Guarda foi importante para eles. O Anjo dava-lhes apoio em meio à insegurança do mundo. As crianças possuem um sentido especial para a realidade dos Anjos. A pediatra e analista francesa Françoise Dolto conta em suas memórias que o convívio com seu Anjo da Guarda determinava seu dia-a-dia de criança. Ela convivia com o Anjo da Guarda como se ele estivesse ao lado dela: "Quando ia dormir, eu me deitava só na metade da cama, para deixar lugar para o meu Anjo da Guarda a fim de que ele dormisse ao meu lado. E em pensamento eu repassava o meu dia, que como sempre havia sido catastrófico, porque diziam que eu fazia multas asneiras, mas infelizmente eu não sabia como as fazia nem por que as fazia, e isto causava-me grande aflição" (Stubbe, 58). E ela ainda continua convencida de que seu Anjo da Guarda não a abandonou ao longo de toda a vida. Ele sempre se manifesta quando ela procura uma vaga no estacionamento. Ela acha que "o Anjo da Guarda de uma criança dorme ao lado dela. Mas o Anjo da Guarda de um adulto está sempre vigilante" (ib., 58).

Os pais não podem vigiar todos os passos de seus filhos. Quanto mais eles querem controlar o que os filhos fazem ou deixam de fazer, tanto mais angústia e agressão provocam neles. E são precisamente os pais que querem controlar tudo que muitas vezes fazem a experiência de que acontece exatamente aquilo que eles haviam receado.

Aqui ajuda a fé de que um Anjo da Guarda preserva a criança dos perigos. Mas o que irão fazer os pais com esta fé, quando seu filho apanha dos outros no caminho da escola, ou quando chega mesmo a ser vítima de abuso sexual? O Anjo da Guarda não é responsável por tudo.

Não podemos sobrecarregá-lo. O que nós mesmos podemos fazer, temos também de fazê-lo. Sobretudo devemos ser prudentes, e avaliar corretamente a realidade deste mundo. Não obstante, permanece de pé aquela "esfera intermediária", que não pode ser prevista nem arrumada. Aqui ajuda quando os pais recomendam os filhos a seus Anjos da Guarda. Isto os alivia da própria preocupação. Pois, mesmo com todas as suas preocupações, eles não podem garantir que o filho volte são e salvo da escola ou do jardim de infância, ou que não se fira no jogo. Quem, por medo de que algo possa acontecer tenta proteger o filho de todos os perigos, torna o filho cego para os perigos reais. A criança tem que fazer experiências para ver de que é capaz. E aqui sempre pode ocorrer alguma coisa, ela pode avaliar erradamente os seus limites. A confiança no Anjo da Guarda deve andar de mãos dadas com as medidas de segurança. Não sabemos explicar por que há crianças que apesar de seus Anjos da Guarda, enfrentam perigos e chegam a morrer. Podemos rezar aos Anjos da Guarda. Mas não temos nenhuma garantia de que eles intervenham. É sempre também uma graça divina, da qual nós não podemos dispor, quando nos é dado fazer a experiência de que um Anjo da Guarda nos salvou de um perigo.

Todo adulto já deve ter passado alguma vez pela experiência de estar a ponto de incorrer em algum perigo e de sofrer algum dano. Ele tentou, por exemplo, a ultrapassagem na estrada, sem ver o outro carro que já vinha ultrapassando. Mais uma vez tudo correu bem. Muitos dizem então espontaneamente: "Eu tenho um bom Anjo da Guarda". Ou então se deparou subitamente com um engarrafamento, e ainda teve tempo de frear. Ou o carro virou e ele escapou são e salvo. Todas estas são ocasiões em que acreditamos que um Anjo da Guarda preservou-nos de desgraças. Em momentos como estes não são apenas os cristãos convictos que acreditam no Anjo da Guarda. Às vezes até mesmo os ateus são capazes de falar aqui do seu Anjo da Guarda. Nesse momento ele sente que se encontra sob uma proteção maior, uma proteção que escapa ao seu poder. Um Anjo da Guarda assim inspira a confiança de que sempre se haverá de chegar são e salvo quando se vai de carro para o trabalho. Ele nos tira o medo de tarefas que precisamos resolver e que também podem resultar em fracasso.

A ideia do Anjo da Guarda é tão amplamente difundida que pode ser encontrada em toda alma humana. Os judeus falavam dele, os gregos chamavam-no daimon, os romanos genius. Mesmo que hoje muitos não acreditem mais em Deus, ou encontrem dificuldades para entrar em relação pessoal com Deus, eles creem mesmo assim no Anjo da Guarda. É uma espécie de "fé que busca" Deus. Pois quem fala do Anjo da Guarda sabe que ele vem de Deus, que Deus mesmo colocou a seu lado um Anjo da Guarda. Mas quem fala do Anjo da Guarda não tem ainda que professar toda a doutrina e todo o dogma cristão. Ele está expressando com isto uma experiência que faz sempre de novo. Uma experiência que o abre para a dimensão dos Anjos. Anjos são criaturas de Deus; e em nossa condição de criaturas, na constelação concreta de perigos, nas viagens, num incêndio, numa derrapagem na estrada, a presença salvadora de Deus se manifesta nos Anjos da Guarda. O Anjo é uma concretização de Deus. Nele Deus atua dentro do nosso dia-a-dia. Este lampejo divino em nossa vida é reconhecido hoje por um número substancialmente maior de pessoas do que aquelas que chamam Deus expressamente de pai e mãe.

Mas Jesus diz a respeito dos Anjos da Guarda que eles veem a face de Deus. Toda pessoa tem uma relação com Deus através do seu Anjo. Cada qual está diretamente ligado a Deus. Através do Anjo da Guarda, cada um atinge a esfera divina, sem ficar limitado ao que pode ser visto, ao que pode ser feito. Está envolvido por um mistério. Não está só quando se encontra desacompanhado. Não está abandonado quando anda sozinho pelo mato. A linguagem religiosa, que também na era pós-moderna é para muitos perfeitamente possível, seria assim traduzida pela psicologia: a ideia do Anjo da Guarda põe o ser humano em contato com as forças de proteção e preservação do seu inconsciente. Ajuda-o a prestar mais atenção a si mesmo e a envolver-se com a vida de uma maneira menos angustiosa. O que a psicologia sente dificuldades de explicar, isto inconscientemente se torna claro para a maioria das pessoas. Os homens não vivem apenas a realidade de sua razão crítica, mas vivem também naquela "esfera intermediária" em que têm conhecimento de uma ligação entre o céu e a terra, entre realidade visível e invisível. E como desde a infância estão familiarizados com esta "esfera intermediária", eles compreendem as ideias do Anjo da Guarda sem precisar de intermediários. Sem que precisem refletir criticamente sobre isto, no fundo do coração eles estão convencidos de que um Anjo da Guarda os acompanha e os preserva dos perigos.

Helmut Hark, pároco e psicoterapeuta evangélico, em sua terapia trabalha muitas vezes com a imagem do Anjo da Guarda. Num grupo de auto experiência terapêutica, ele levou os participantes, homens e mulheres, a refletirem sobre a importância pessoal do seu Anjo da Guarda. Apareceram respostas como as que seguem:
"Ele protege no caminho, dá coragem e apoio moral, afasta o mal, atua beneficamente nas desgraças. Através dele as coisas se ajeitam. Manifesta-se nas situações-limite. Por ele recebo impulsos para boas ações. É o irmão gêmeo de minha alma. É meu protetor e padroeiro pessoal. Às vezes eu sou advertido por ele. Para mim é uma inteligência superior. Fala-me através de uma voz interior. É o modelo espiritual de minha alma... Inspira minha imaginação. Por ele atuam energias benéficas de salvação. Ele me inspira a ideia salvadora" (Hark, 141s).

Estas frases mostram que mesmo pessoas distanciadas da Igreja possuem hoje uma ideia de não terem sido deixadas sozinhas. Na ideia de que são acompanhadas por um Anjo da Guarda, que as preserva de perigos e intervém para salva-las, se expressa sua fé na proteção e na ajuda divinas. Tais pessoas muitas vezes não são capazes de se imaginarem Deus. Mas no Anjo Deus se torna concreto para elas. Aqui Deus entra no mundo do seu dia-a-dia.

Na terapia, muitas vezes a ideia do Anjo da Guarda pessoal atua dando força e curando. Helmut Hark relata, por exemplo, de uma mulher que sempre de novo era impelida por fortes ideias de suicídio. Num sonho ela viu um Anjo "que transmitiu uma nova sensação de vida, até então desconhecida" (Hark, 143). De repente, as ideias de suicídio foram como que varridas do mapa. Hark fala das energias espirituais do Anjo da Guarda, que muitas vezes rompem e curam padrões autodestrutivos da vida.
A fé no Anjo da Guarda pessoal é mais do que a ideia de um Anjo bonitinho que me acompanha por toda parte. Como adultos, quando acreditarmos em nosso Anjo da Guarda, superaremos não apenas os nossos medos frente aos perigos do dia-a-dia na rua e no trabalho, ou às doenças graves. O Anjo da Guarda há de transmitir-nos também a sensação de que atravessamos reconfortados nossas crises pessoais. E quem talvez numa terapia se ocupa com a história de seus próprios ferimentos, e muitas vezes não sabe o que fazer, não sabe como irá se sair das complicações da infância, sempre de novo há de experimentar o benéfico efeito do seu Anjo da Guarda.

Apreender intelectualmente nossas feridas e agravos não nos devolve a saúde. Muitos ficam então desesperados consigo mesmos e com os agravos de sua história de vida. A fé no Anjo da Guarda nos traz então a confiança de que em meio a este processo terapêutico acontece algo assim como um milagre, que do fundo da alma surge uma força benéfica, que um Anjo nos aparece em sonho e nos transmite uma profunda compreensão, e que, de repente, o medo ou a ideia do suicídio desaparecem sem que se saiba por quê. A fé no Anjo da Guarda liberta-nos da fixação sobre os fatores doentios de nossa vida. Ela nos faz também descobrir as energias benéficas que se encontram em nós. Já em nossa infância o Anjo da Guarda nos acompanhava e nos preservava. E agora ele está ao nosso lado e dentro de nós, agindo hoje sobre nós, preservando-nos e curando-nos.

Fonte:
Livro “Cada pessoa tem um Anjo” – Monge Anselm Grun



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