quinta-feira, 12 de setembro de 2019

26º dia – Santa Joana D’arc e São Miguel Arcanjo – A ação de Deus na política de nações





As vozes estranhas vindas de outro lugar não faltam, e a mais célebre delas foi a que encarregou Joana d'Arc de uma missão absolutamente inconcebível na época, para um humano. Porém, a força dessa voz é tal que a pessoa que a ouve, primeiramente desconfiada, sente-se em seguida obrigada a obedecê-la, independente do que possa acontecer ou do que possam lhe dizer. Para nos darmos conta do que aconteceu a Joana d'Arc, transponhamos por um instante os acontecimentos de sua vida para os nossos dias. E já que não existem mais pastoras, imaginemos em seu lugar uma jovem, negra, virgem, com 16 anos de idade, caixa de supermercado, católica praticante, chamada Joan Arrow.

Joan ouve uma voz interior dizendo-lhe que ela deve ir à Casa Branca para se encontrar com o presidente. Lá, ela deverá lhe pedir forças policiais para ajudá-la a combater os traficantes de droga. Por uma série de coincidências inacreditáveis, Joan vai até Washington mesmo sem ter um centavo no bolso, encontra o presidente enquanto ele está fazendo seu jogging, e fala com ele. Ela acaba convencendo-o, e também seus conselheiros, a entregar-lhe duas ou três unidades especiais antigangue para limpar o país, livrando-o dos negociantes. À frente dessas unidades, ela mesma, que nunca pôs os pés numa delegacia ou academia de polícia.

Sempre orientada por suas vozes, Joan limpa, em alguns meses, Atlanta, Nova York, Detroit e Miami, livrando-as de todos os vendedores de droga. Os traficantes, apavorados com seu poder, subornam por vários milhões de dólares, os funcionários da cidade de Los Angeles, onde ela acaba, precisamente, de iniciar sua limpeza maciça.

Presa pela polícia de Los Angeles (LAPD) por excesso de velocidade, ela é espancada por uma dezena de policiais, violentada e torturada, antes de ser entregue aos psiquiatras, que decidem interná-la porque ela diz ouvir a voz do arcanjo Miguel. No manicômio, durante um passeio, os verdadeiros doentes mentais a amarram e a queimam para ver o que acontece. Fim.

***

Isso parece totalmente estúpido como roteiro, mas foi exatamente o que aconteceu a Joana d'Arc, chamada donzela de Orleans, filha de agricultores, há cinco séculos, e que representa hoje um dos maiores enigmas da História. Já foram recenseados mais de 13 mil documentos históricos, além de dez mil obras e dossiês escritos sobre ela, o que leva a supor que sua atividade militar durou, pelo menos, uns trinta anos.

No entanto, a carreira dessa adolescente durou apenas dois anos (de 1429 a 30 de maio de 1431), o que tende a dar um certo peso àquelas supostas vozes na origem de sua cruzada contra os ingleses. A historiadora Régine Pernoud observa em seu livro “Petite vie de Jeanne d'Arc” (Ed. Desclée de Brouwer, p.9) que aqueles que a condenaram:

“(...) não tiveram dúvidas de que preparavam o documento mais notável da História: o texto do processo de condenação (1431), com suas perguntas e com as respostas de Joana, fornecem um testemunho sobre sua pessoa ainda mais convincente por ter sido preparado por seus adversários, determinados a conduzi-la à fogueira. Depois, 18 anos mais tarde, quando o rei da França, Charles VII, conseguiu expulsar o inimigo de Rouen, começou um outro processo, dito de "reabilitação": foram interrogados todos aqueles que conheceram a heroína para saber se a condenação como herege justificava-se ou não. Cerca de 115 testemunhas depuseram, contaram suas lembranças, disseram o que sabiam sobre ela: magnífica fonte que nos relata em primeira mão a impressão que ela produzia.”

Armada com sua voz e com a inocência de seus 17 anos, Joana nunca duvidou de si mesma. Foi com uma determinação total que ela conseguiu se aproximar do delfim e reconhecê-lo imediatamente, mesmo estando ele dissimulado na multidão a fim de verificar se ela era, de fato, enviada por Deus como ela afirmava. Ao entrar, ela se dirigiu diretamente a ele, apesar de um cortesão, vestido com todos os aparatos reais, ter ocupado o lugar do rei no trono. Conta Joana:

“Quando o rei e aqueles que estavam com ele viram o dito sinal eu perguntei ao rei se ele estava contente, e ele me respondeu que sim. E então eu parti, e fui para uma capela bem próxima. Ouvi então dizer que após minha partida mais de trezentas pessoas viram o tal sinal. O anjo se separou de mim, numa pequena capela. Eu fiquei muito enfurecida com sua partida, e chorei. Se eu tivesse ido com ele, teria saciado minha alma.”

Nunca ela atribuiu a si mesma uma só vitória militar. Ela combateu contra os ingleses à frente de um exército de quase mendigos, concedido pelo delfim quando ela não tinha ainda 18 anos, e libertou Orleans, Patay, Auxerre, Troyes e Reims. Ela acabara de inventar a blitzkrieg, a guerra-relâmpago que limpa uma região no espaço de poucos dias (o cerco a Orleans durara sete meses, mas foram necessários apenas sete dias para suspendê-lo). Em vista das implicações políticas, geográficas, militares e históricas, percebemos muito bem que a ação dessa garota (ter 17 anos na época não significava o mesmo que hoje) continua sendo um mistério completo, se nos recusarmos a admitir que ela possa ter realmente ouvido vozes. Ela se revelou uma estrategista sem igual, conquistando a admiração e o respeito dos velhos capitães que no início se recusavam até a olhar para ela. Obedecer a uma mulher na época... Que heresia!

Porém, se admitirmos a autenticidade de suas vozes e de suas visões, o mistério então se dissipa como por milagre. Ela explica:

“Quando eu tinha cerca de 13 anos eu ouvi uma voz de Deus para me ajudar a governar. Na primeira vez, senti muito medo. E veio essa voz, durante o verão, no jardim de meu pai, por volta do meio-dia. (...) Eu ouvi a voz do lado direito, do lado da igreja. E raramente eu a ouço sem ver a claridade. Essa claridade vem do mesmo lado em que a voz é ouvida. Há geralmente uma grande claridade. (...) Eu ouvi tres vezes essa voz, compreendi que era a voz de um anjo (...). Na primeira vez, tive uma grande dúvida se seria são Miguel que vinha até mim e senti muito medo. Em seguida, eu o vi várias vezes antes de saber que era são Miguel. Eu vi São Miguel e os anjos com os olhos do meu corpo tão bem quanto eu estou vendo você. E quando eles se afastavam de mim, eu chorava e queria muito que eles tivessem me levado com eles. (...) Eu respondi à voz que eu era uma menina pobre, que não sabia nem cavalgar nem guerrear.”

Capturada (sua missão parecia ter chegado ao fim) pelos ingleses e pelos habitantes da Borgonha e jogada na prisão, Joana nunca se deixou, porém, intimidar pelo impressionante aparato judiciário montado contra ela. E as rajadas de perguntas disparadas contra ela, sobre suas vozes, por eminentes teólogos, tampouco a desarmaram. Ela chegou até a retorquir a seus inquisidores: "Eu tenho mais medo de falhar dizendo algo que desagrade às minhas vozes do que de responder aos senhores."

O juiz Jean Beaupère nos deixou assim uma maravilhosa questão relativa à natureza do arcanjo Miguel:

“- Que aparência tinha são Miguel quando ele lhe apareceu? Ele estava nu? [Alusão a séculos de debates teológicos sobre o sexo dos anjos]
- O senhor pensa que Deus não tem como vesti-lo?
- Ele tinha cabelos? [Um problema de calvície do juiz, sem dúvida...]
- Por que eles teriam sido cortados? [Respondeu Joana, imperturbável]
- Quando você vê essa voz que chega até você, há alguma luz?
- Havia muita luz, como convém. O que já não acontece tanto com senhor!”

Não só Joana d'Arc ouvia vozes, como ainda por cima ela tinha um senso de humor agudo, o que torna essa jovem mártir de 19 anos ainda mais simpática. Graças a ela, o fenômeno da voz ficou enraizado em todas as memórias. Levando em conta os efeitos que elas provocaram na França, parece difícil não levá-las a sério.


Fonte:
Livro “Relatos sobre a existência dos Anjos da Guarda” – do jornalista Pierre Jovanovic – Editora Anagrama



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