quarta-feira, 21 de agosto de 2019

7º dia – Catequeses do Papa São João Paulo II sobre os Anjos (2ª Catequese: CRIADOR DOS ANJOS, SERES LIVRES)





Audiência do dia 23 de julho de 1986  (Publicado no L´OSSERVATORE ROMANO, ed. port., no dia 27 de julho de 1986.)

1. Continuamos hoje a nossa catequese sobre os anjos, cuja existência, querida mediante um ato de amor eterno de Deus, professamos com as palavras do símbolo niceno-constantinopolitano: "Creio em um só Deus, Pai Todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis". Na perfeição da sua natureza espiritual, os anjos são chamados desde o princípio, em virtude da sua inteligência, a conhecer a verdade e a amar o bem que conhecem na verdade de modo muito mais perfeito do que é possível ao homem. Este amor é o ato de uma vontade livre, pelo que também para os anjos a liberdade significa possibilidade de efetuar uma escolha favorável ou contra o Bem que eles conhecem, isto é, Deus mesmo. Preciso repetir aqui o que já recordamos a seu tempo a propósito do homem: criando os seres livres, Deus quis que no mundo se realizasse aquele amor verdadeiro que só é possível quando tem por base a liberdade. Ele quis, portanto, que a criatura, formada à imagem e semelhança do seu Criador, pudesse do modo mais pleno possível tornar-se semelhante a Ele, Deus, que "é amor" (Jo. 4,16). Criando os espíritos puros como seres livres, Deus, na sua providência, não podia deixar de prever também a possibilidade do pecado dos anjos. Mas, precisamente porque a providência é eterna sabedoria que ama, Deus saberia tirar da história deste pecado, incomparavelmente mais radical enquanto pecado de um espírito puro, o definitivo bem de todo o cosmos criado.

 2. Com efeito, como diz de modo claro a Revelação, o mundo dos espíritos puros apresenta-se dividido em bons e maus. Pois bem, esta divisão não se realizou por obra de Deus, mas em conseqüência da liberdade própria da natureza espiritual de cada um deles. Realizou-se mediante a escolha que para os seres puramente espirituais possui um caráter incomparavelmente mais radical do que a do homem, e é irreversível dado o grau do caráter intuitivo e de penetração do bem de que é dotada a sua inteligência. A este propósito deve dizer-se também que os espíritos puros foram submetidos a uma prova de caráter moral. Foi uma escolha decisiva a respeito, antes de tudo, de Deus mesmo, um Deus conhecido de modo mais essencial e direto do que é possível ao homem, um Deus que a estes seres espirituais tinha feito o dom, primeiro que ao homem, de participar da sua natureza divina.

 3. No caso dos puros espíritos a escolha decisiva dizia respeito antes de tudo a Deus mesmo, primeiro e supremo bem, aceito ou rejeitado de modo mais essencial e direto do que pode acontecer no raio de ação da vontade livre do homem. Os espíritos puros têm um conhecimento de Deus incomparavelmente mais perfeito do que o do homem, porque com o poder do seu intelecto, nem condicionado nem limitado pela mediação do conhecimento sensível, vêem inteiramente a grandeza do Ser infinito, da primeira Verdade, do sumo bem. A esta sublime capacidade de conhecimento dos espíritos puros Deus ofereceu mistério da sua divindade, tornando-os assim partícipes, mediante a graça, da sua infinita glória. Precisamente porque são seres de natureza espiritual, havia no seu intelecto a capacidade, o desejo desta elevação sobrenatural a que Deus os tinha chamado, para fazer deles, muito antes do homem, "participantes da natureza divina" (cf. 2Pd. 1,4), partícipes da vida íntima dAquele que é Pai, Filho e Espírito Santo, dAquele que na comunhão das três Pessoas Divinas "é Amor" (I. Jo. 4,16). Deus tinha admitido todos os espíritos puros, primeiro e mais do que o homem, na eterna comunhão do amor.

 4. A escolha feita com base na verdade acerca de Deus, conhecida de forma superior devido à lucidez da inteligência deles, dividiu também o mundo dos puros espíritos em bons e maus. Os bons escolheram Deus como bem supremo e definitivo, conhecido à luz do intelecto iluminado pela Revelação. Ter escolhido Deus significa que se dirigiram a Ele com toda a força interior da sua liberdade, força que é amor. Deus tornou-se a total e definitiva finalidade da sua existência espiritual. Os outros, pelo contrário, voltaram as costas a Deus em oposição à verdade do conhecimento que indicava nEle o bem total e definitivo. Escolheram em oposição à revelação do mistério de Deus, em oposição à sua graça que os tornava participantes da Trindade e da eterna amizade com Deus na comunhão com Ele mediante o amor. Tendo como base a sua liberdade criada, fizeram uma escolha radical e irreversível, tal como os anjos bons, mas diametralmente oposta: em vez de uma aceitação de Deus cheia de amor, opuseram-Lhe uma rejeição inspirada por um falso sentido de autossuficiência, de aversão e até de ódio que se transformou em rebelião.

 5. Como se hão de compreender esta oposição e esta rebelião a Deus em seres dotados de tão viva inteligência e enriquecidos com tanta luz? Qual pode ser o motivo desta radical e irreversível escolha contra Deus? De um ódio tão profundo que pode parecer unicamente fruto de loucura? Os padres da Igreja e os teólogos não hesitam em falar de "cegueira" produzida pela super valorização da perfeição do próprio ser, levada até o ponto de velar a supremacia de Deus, que, pelo contrário, exigia um ato dócil e obediente submissão. Tudo isto parece estar expresso de modo conciso nas palavras: "Não Vos servirei" (Jr. 2,20), que manifestam a radical e irreversível recusa a tomar parte na edificação do reino de Deus no mundo criado. "satanás", o espírito rebelde, quer o próprio reino, não o de Deus, e erige´se em "primeiro" adversário do Criador, em opositor da providência, em antagonista da sabedoria amorosa de Deus. Da rebelião e do pecado do homem, devemos concluir acolhendo a sábia experiência da Escritura que afirma: "Na soberba está contida muita corrupção" (Tb. 4,13).



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