terça-feira, 20 de agosto de 2019

6º dia – Catequeses do Papa São João Paulo II sobre os Anjos (1ª Catequese: CRIADOR DAS "COISAS VISÍVEIS E INVISÍVEIS")






Audiência do dia 9 de julho de 1986 (Publicada no L´OSSERVATORE ROMANO, ed. port., no dia 13 de julho de 1986).

1. As nossas catequeses sobre Deus, criador do mundo, não podem terminar sem dedicar adequada atenção a um precioso conteúdo da Revelação divina: a criação dos seres puramente espirituais, que a Sagrada Escritura chama "anjos". Esta criação aparece claramente nos símbolos da fé, de modo particular no símbolo niceno-constantinopolitano: "Creio em um só Deus, Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas (isto é, entes ou seres) visíveis e invisíveis". Sabemos que o homem goza, no interior da criação, de uma posição singular: graças ao seu corpo, pertence ao mundo visível, enquanto pela alma espiritual, que vivifica o corpo, se encontra quase no confim entre a criação visível e a invisível. A esta última, segundo o Credo que a Igreja professa a luz da Revelação, pertencem outros seres, puramente espirituais, portanto não próprios do mundo visível, embora estejam presentes e operem neles. Estes constituem um mundo específico.

2. Hoje, como nos tempos passados, discute-se com mais ou menos sabedoria sobre estes seres espirituais. É preciso reconhecer que a confusão às vezes é grande, com conseqüente risco de fazer passar como fé da Igreja a respeito dos anjos aquilo que não pertence à fé, ou, vice versa, de omitir algum aspecto importante da verdade revelada. A existência dos seres espirituais, a que de costume a Sagrada Escritura chama "anjos", era já negada, nos tempos de Cristo, pelos saduceus (cf. At 23,8). Negam-na também os materialistas e os racionalistas de todos os tempos. Todavia, como perspicazmente observa um teólogo moderno, "se nos quiséssemos desembaraçar dos anjos, deveríamos rever radicalmente a Sagrada Escritura mesma, e com ela toda a história da salvação" (A. Winklhofer, Die Welt der Engel, Ettal, 1961, p. 144, nota 2; em Mysterium Salutís, II, 2, p. 726). Toda a Tradição é unânime sobre esta questão. O Credo da Igreja e, no fundo, um eco que Paulo escreve aos colossenses: N´Ele (Cristo) foram criadas todas as coisas nos Céus e na terra, as visíveis e as invisíveis, os Tronos e as Dominações, os Principados e as Potestades: tudo foi criado por Ele e para Ele (Cl. 1,16). Ou seja, o Cristo, que como Filho "Verbo eterno e consubstancial ao Pai é "primogênito de toda a criatura" (Cl. 1,15), está no centro do universo, como razão e fundamento de toda a criação, como já vimos nas catequeses passadas e como veremos ainda quando falarmos mais diretamente Ele”.

3. A referência ao "primado" de Cristo ajuda-nos a compreender que a verdade acerca da existência e da obra dos anjos (bons e maus) não constitui o conteúdo central da palavra de Deus. Na revelação, Deus fala antes de tudo "aos homens... e conversa com eles, para os convidar e os receber em comunhão com Ele", como lemos na Constituição Dei Verbum, do Concílio Vaticano II (DV 2). "Assim a verdade profunda, tanto a respeito de Deus como da salvação do homem", é o conteúdo central da revelação que "resplandece" mais plenamente na pessoa de Cristo (cf. DV 2). A verdade acerca dos anjos é em certo sentido "colateral", mas inseparável da revelação central, que é a existência, a majestade e a glória do Criador que refulgem em toda a criação ("visível" e "invisível") e na ação salvífica de Deus na história do homem. Os anjos não são, portanto, criaturas de primeiro plano na realidade da Revelação; contudo, pertence-lhe plenamente, tanto que nalguns momentos os vemos realizar tarefas fundamentais em nome de Deus mesmo.

4. Tudo o que pertence à criação reentra, segundo a Revelação, no mistério da divina Providência. Afirma-o de modo exemplarmente conciso o Vaticano I que já citamos mais de uma vez: "Tudo o que Deus criou, conserva-o e dirige-o com Sua providência, que estende seu vigor de uma extremidade à outra e governa todas as coisas com suavidade" (cf. Sb. 8,1). "Todas as coisas estão a nu e a descoberto aos seus olhos" (cf. Hb 4,13) "mesmo o que se realizou por livre iniciativa das criaturas" (DS 3003). A Providência abrange, por conseguinte, também o mundo dos puros espíritos, que ainda mais plenamente do que os homens são seres racionais e livres. Na Sagrada Escritura encontramos preciosas indicações que lhes dizem respeito. Há também a revelação de um drama misterioso, embora real, que tocou estas criaturas angélicas, sem que nada escapasse à eterna Sabedoria, a qual com força (fortiter) e ao mesmo tempo com suavidade (suaviter) tudo leva a cumprimento no reino do Pai, do Filho e do Espírito Santo.

5. Reconheçamos antes de tudo que a Providência, como amorosa Sabedoria de Deus, se manifestou precisamente no criar seres puramente espirituais, para que melhor se exprimisse a semelhança de Deus neles que superam de multo tudo o que foi criado no mundo visível, juntamente com o homem, também ele incancelável imagem de Deus. Deus, que é Espírito absolutamente perfeito, reflete-se sobretudo nos seres espirituais que por natureza, isto é, devido a sua espiritualidade, Lhe estão muito mais próximos do que as criaturas materiais, e que constituem quase o "ambiente" mais próximo ao Criador. A Sagrada Escritura oferece um testemunho bastante explícito desta máxima proximidade a Deus, dos anjos, dos quais fala, com linguagem figurada, como o "trono'' de Deus, das suas "legiões" do seu "céu". Ela inspirou a poesia e a arte dos séculos cristãos que nos apresentam os anjos, com a "corte de Deus".


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