segunda-feira, 26 de agosto de 2019

11º dia – Catequeses do Papa São João Paulo II sobre os Anjos (6ª Catequese: A VITÓRIA DE CRISTO SOBRE O ESPÍRITO DO MAL)





Audiência do dia 20 de agosto de 1986 (Publicada no L´OSSERVATORE ROMANO, ed. port., no dia 24 de agosto de 1986.)

1. As nossas catequeses sobre Deus, Criador das coisas "invisíveis", levaram-nos a iluminar e a retemperar a nossa fé no que se refere à verdade acerca do maligno ou satanás, não certamente querido por Deus, sumo amor e santidade, cuja providência sapiente e forte sabe conduzir a nossa existência à vitória sobre o príncipe das trevas. A fé da Igreja, de fato, ensina-nos que o poder de satanás não é infinito. Ele é só uma criatura poderosa enquanto espírito puro, sendo sempre uma criatura, com os limites da criatura, subordinada ao querer e ao domínio de Deus. Se satanás opera no mundo mediante o seu ódio contra Deus e o seu reino, isto é permitido pela Divina providência que, com poder e bondade (fortiter et suaviter), dirige a história do homem e do mundo. Se a ação de satanás sem dúvida causa muitos danos de natureza espiritual e indiretamente também de natureza física ´ aos indivíduos e à sociedade, ele não está, contudo, em condições de anular a definitiva finalidade para que tendem o homem e toda a criação, o bem. Ele não pode impedir a edificação do Reino de Deus, no qual se terá, no fim, a plena realização da justiça e do amor do Pai para com as criaturas eternamente ´predestinadas´ no Filho-Verbo, Jesus Cristo. Podemos mesmo dizer com São Paulo que a obra do maligno concorre para o bem (cf. Rm. 8,28) e que serve para edificar a glória dos "eleitos" (cf. 2Tm. 2,10).

 2. Assim toda a história da humanidade se pode considerar em função da salvação total, na qual está inscrita a vitória de Cristo sobre o "príncipe deste mundo" (Jo. 12,13; 14,30; 16,11). "Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a Ele prestaras culto" (Lc. 4,8), diz peremptoriamente Cristo a satanás. Num momento dramático do seu ministério a quem o acusava de modo imprudente de expulsar os demônios por serem aliados de Belzebu, chefe dos demônios, Jesus responde com aquelas palavras severas e confortantes ao mesmo tempo: "Todo o reino dividido contra si mesmo ficara devastado; e toda a cidade ou casa dividida contra si mesma não poderá subsistir. Ora, se Satanás expulsa Satanás, está dividido contra si mesmo. Como há de subsistir o seu reino?... Mas se é pelo Espírito de Deus que Eu expulso os demônios, quer dizer, então, que chegou até vós o reino de Deus" (Mt. 12, 25.26.28). "Quando um homem forte e bem armado guarda o seu palácio, os seus bens estão em segurança; mas se aparece um mais forte e o vence, tira-lhe as armas em que confiava e distribui os seus despojos" (Lc. 11,21´22). As palavras pronunciadas por Cristo a propósito do tentador encontram o seu cumprimento histórico na cruz e na ressurreição do Redentor. Como lemos na Carta aos Hebreus, Cristo tornou-se participante da humanidade até a cruz "a fim de destruir, pela Sua morte, aquele que tinha o império da morte, isto é, o Demônio, e libertar aqueles que... estavam toda a vida sujeitos à escravidão" (Hb. 2,14´15). Esta é a grande certeza da fé cristã: "O príncipe deste mundo está condenado" (Jo. 16,11); ´Para Isto é que o Filho de Deus se manifestou: Para destruir as obras do Demônio´ (I Jo. 3,8), como nos afirma São João. Por conseguinte, o Cristo crucificado e ressuscitado revelou-se como o "mais forte" que venceu "o homem forte", o diabo, e o destronou. Na vitória de Cristo sobre o diabo participa a Igreja: Cristo, com efeito, deu aos seus discípulos o poder de expulsar os demônios (cf. Mt. 10,1; Mc. 16,17). A Igreja exerce este poder vitorioso mediante a fé em Cristo e a oração (cf. Mc. 9,29; Mt. 19s.), que em casos específicos pode assumir a forma do exorcismo.

 3. Nesta fase histórica da vitória de Cristo inscreve-se o anúncio e o início da vitória final, a Parusia, a segunda e definitiva vinda de Cristo no termo da história, em direção do qual está projetada a vida do cristão. Embora seja verdade que a história terrena continua a desenrolar-se sob o influxo daquele espírito que como diz São Paulo atua nos rebeldes (Ef. 2,2), os crentes sabem que são chamados a lutar pelo definitivo triunfo do Bem: ´Porque nós não temos de lutar contra a carne e o sangue, mas contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra os Espíritos malignos espalhados pelos ares (Ef. 6,12). A luta, à medida que se aproxima do seu termo, torna-se, em certo sentido, cada vez mais violenta, como põe em relevo de modo especial o Apocalipse, o último livro do Novo Testamento (cf. Ap. 12,7´9). Mas precisamente este livro acentua a certeza que nos é dada por toda a Revelação divina: isto é, que a luta se concluíra com a definitiva vitória do bem. Naquela vitória, pré-contida no mistério pascal de Cristo, cumprir-se´á definitivamente o primeiro anúncio do Livro do Gênesis, que é chamado, com termo significativo, proto-evangelho, quando Deus adverte a serpente: ´Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher´ (Gn. 3,15). Naquela fase definitiva, Deus, completando o mistério da sua paterna Providência, "livrara do poder das trevas" aqueles que eternamente "predestinou em Cristo" e "transferi-los" á para o Reino de Seu Filho muito amado (cf. Cl. 1,13´14). Então o Filho sujeitara ao Pai também o universo inteiro, a fim de que "Deus seja tudo em todos" (I Cor. 15,28).

 4. Aqui concluem-se as catequeses sobre Deus Criador das "coisas visíveis e invisíveis", unidas na nossa exposição com a verdade acerca da Divina Providência. Torna-se evidente aos olhos do crente que o mistério do principio do mundo e da história se liga indissoluvelmente ao mistério do termo, no qual a finalidade de toda a criação chega ao seu cumprimento. O Credo, que une tão organicamente tantas verdades, é deveras a catedral harmoniosa da fé. De maneira progressiva e orgânica podemos admirar estupefatos o grande mistério do intelecto e do amor de Deus, na sua ação criadora, para com o cosmos, para com o homem, para com o mundo dos espíritos puros. Desta ação consideramos a matriz trinitária, a sapiente finalização para a vida do homem, verdadeira "imagem de Deus", por sua vez chamado a reencontrar plenamente a sua dignidade na contemplação da glória de Deus. Fomos iluminados acerca de um dos maiores problemas que inquietam o homem e penetram a sua busca de verdade: o problema do sofrimento e do mal. Na raiz não está uma decisão de Deus errada ou má, mas a sua escolha e, de certo modo, o seu risco, de nos criar livres para nos ter como amigos. Da liberdade nasceu também o mal. Mas Deus não se rende, e com a sua sabedoria transcendente, predestinando-nos para sermos filhos em Cristo, tudo dirige com fortaleza e suavidade, para que o bem não seja vencido pelo mal. Devemos agora deixar-nos guiar pela Divina Revelação na exploração de outros mistérios da nossa salvação. Entretanto recebemos uma verdade que deve estar a peito a todo o cristão: a de que existem espíritos puros, criaturas de Deus, inicialmente todas boas, e depois, por uma escolha de pecado, separadas irredutivelmente em anjos de luz e anjos de trevas. E enquanto a existência dos anjos maus requer de nós o sentido da vigilância para não cair nas suas tentações, estamos certos de que o vitorioso poder de Cristo Redentor circunda a nossa vida, a fim de que nós próprios sejamos vencedores. Nisto somos validamente ajudados pelos anjos bons, mensageiros do amor de Deus, aos quais nós, ensinados pela tradição da Igreja, dirigimos a nossa oração: "Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, pois a ti me confiou a piedade divina, hoje, sempre, governa-me, rege-me, guarda-me, e ilumina-me. Amém".


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